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Para discípulo de Paolinelli, temor com Brasil foi motor de protestos na Europa

16/02/2024 - 10h09m

Para discípulo de Paolinelli, temor com Brasil foi motor de protestos na Europa

Para discípulo de Paolinelli, temor com Brasil foi motor de protestos na Europa

Agrônomo Domingos Carvalho diz que o desenvolvimento da agricultura no Cerrado, o ‘milagre brasileiro’, ecoou nas manifestações de produtores europeus

Da calmaria do seu sítio a 15 quilômetros de Belo Horizonte, o engenheiro agrônomo Domingos Ribeiro de Carvalho observou os produtores rurais da Europa tomando as ruas das principais capitais do continente com tratores e máquinas agrícolas neste início de ano. Ele acompanhou pelo noticiário a fúria dos agricultores europeus, que protestavam contra a eliminação de subsídios e para pedir o afrouxamento de regras ambientais previstas no Pacto Ecológico do bloco, e entende as razões.

“Eles estão apavorados com a competitividade da agricultura brasileira”, reflete o mineiro de 77 anos, que assistiu ao desenvolvimento da agricultura no Cerrado a partir da década de 1970. Grande parte dessa experiência foi ao lado do ex-ministro da Agricultura Alysson Paolinelli, de quem foi braço direito quando atuava no Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG). São dessa época as primeiras pesquisas destinadas a corrigir a acidez e a falta de fertilidade dos solos do bioma.

“A ficha deles caiu”, diz o agrônomo, referindo-se às manifestações que, para muitos observadores, devem minar de vez o acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul. “Se não for com muito subsídio, eles nunca irão competir com a eficiência da nossa produção”.

Carvalho compartilhou essas reflexões com os membros da Academia Latina Americana para Agropecuária (Alagro) por aplicativo de mensagens e “viralizou”. Representantes do agro compartilharam o texto para tentar mostrar à população urbana brasileira a visão do campo sobre os protestos na Europa e o potencial do agronegócio nacional.

A história sobre a expansão da produção no Cerrado virou livro (“A Produção Sustentada no Cerrado — O Verdadeiro Milagre Brasileiro”) nas mãos de Domingos Carvalho e foi traduzida para o inglês a pedido de Paolinelli. “Vamos mostrar o conceito errôneo que os europeus têm do Brasil”, dizia o ex-ministro, que morreu em 2023.

Com a “conquista” do Cerrado feita pelo agro, o Brasil, que era importador de alimentos há 50 anos, transformou-se no maior exportador líquido de produtos agropecuários do mundo. O uso de tecnologias e de melhoramento genético fez disparar a produtividade e o volume de produção no bioma, o que permitiu ao país colher sucessivas safras recorde.

“Foi o verdadeiro milagre brasileiro, produzir no meio do nada”, afirma o agrônomo. A tecnologia impulsionou as colheitas de soja e milho e também tem ajudado a ampliar o cultivo de trigo na região, um dos poucos itens em que o Brasil não é autossuficiente — “ainda”, ressalta Carvalho, já que lavouras em Goiás já alcançaram a maior produtividade do mundo.

O Brasil colheu 150 milhões de toneladas de soja na safra 2022/23, e a Europa toda, somada, produziu menos de 10% disso, reforça. “Houve muito estudo e muita ciência para dar certo”, diz o agrônomo.

O clima foi outro fator determinante para o sucesso da agricultura tropical. A alta incidência de luz solar, a amplitude térmica e as estações de chuva e seca mais bem definidas do Cerrado permitiram o “milagre” de se conseguir até três safras por ano na mesma área, algo inviável na Europa, onde os invernos são rigorosos.

“Por mais que eles queiram, nunca vão concorrer com o Brasil. Já plantamos o Cerrado inteiro, duas vezes por ano, com plantio direto”, diz Carvalho. A técnica reduz custos dos produtores brasileiros, uma vantagem que escancara aos europeus safras de grãos cada vez mais volumosas mesmo em tempos de clima hostil no Hemisfério Sul.

A evolução da produção agrícola brasileira, lembra, ocorre em apenas 7,8% do território do país. “Quando dizem que o Brasil é abençoado por Deus referem-se ao nosso sol. Temos luz solar o ano inteiro, abundância de água. Só no Cerrado nascem oito bacias hidrográficas, além dos dois aquíferos subterrâneos”, acrescenta ele.

As limitações para o aumento da produção na Europa e o temor dos produtores do continente de verem uma “avalanche” de produtos brasileiros em seu mercado desencadearam os protestos, avalia o agrônomo. “Eles não têm área para expandir [as lavouras], são limitados pelo clima, têm custo fixo lá em cima, e o preço final do produto é o mercado que manda. Não sei até quando vão conseguir colocar tanto subsídio. Isso gera inflação”, afirma.

Carvalho diz que essa nova percepção dos europeus fará aumentar a pressão econômica e ambiental sobre os produtos brasileiros. Esse ponto, acredita, pode ser uma oportunidade a mais ao Brasil.

“Não precisamos desmatar nada, podemos avançar sobre a grande área de pastagens degradadas”, aponta. “E temos um potencial impressionante, que nenhuma barreira comercial-ambiental será capaz de segurar”.

Para Carvalho, a estratégia brasileira tem de passar pela preservação da floresta amazônica, para geração de crédito de carbono e exploração econômica de produtos nativos, e por investimentos em mais tecnologia nacional, com carimbo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), para transformar áreas já antropizadas no Cerrado.

“Se o Brasil tiver um ‘tiquin’ de inteligência e parar com radicalismo louco, que não leva a nada, deixa a Amazônia preservada do jeito que está e investe no Cerrado, nas áreas de pastagens degradadas e em tecnologia para aumentar a produtividade”, diz, em bom mineirês. “Não existe solo ruim, existe solo sem tecnologia aplicada. A solução é trabalhar. Já temos tecnologia”, sugere.

Aproveitar o potencial do bioma fará com que se concretizem, afirma ele, tanto a profecia do século 19 do religioso italiano Dom Bosco, sobre a prosperidade da região do Planalto Central, quanto o ideal de Paolinelli sobre o Cerrado. “Seremos, de fato, o grande celeiro do mundo”, vislumbra.

Fonte : VALOR Econonico